Ministério Público Federal acusa oito por desvio de R$ 137 mi do Metrus
Justiça Federal recebeu denúncia; esquema envolveu duas transações de títulos sem lastro com suposta participação de atuais gestores do fundo de pensão e da antiga cúpula do Banco Banif’*
O Ministério Público Federal denunciou oito pessoas supostamente responsáveis por irregularidades financeiras que resultaram em prejuízo de pelo menos R$ 137 milhões ao Instituto de Seguridade Social dos Funcionários do Metrô de São Paulo (Metrus). O esquema envolveu duas grandes operações com a transação de títulos sem lastro, previamente estruturadas para fraudar o fundo de pensão, segundo a denúncia. Entre os acusados estão os atuais diretores do Metrus, empresários e ex-gestores do Banco Banif. Eles foram denunciados por gestão fraudulenta e temerária, desvio de dinheiro, inserção de dados falsos em demonstrativo contábil e indução de sócios e investidores a erro.
As informações foram divulgadas nesta quarta-feira, 5, pela Assessoria de Comunicação Social do Ministério Público Federal em São Paulo.
A denúncia, subscrita pelo procurador da República em São Paulo Andrey Borges de Mendonça, foi recebida pela Justiça Federal. A10ª Vara Criminal Federal no Rio, responsável pelo processo, é especializada em ações sobre crimes contra o sistema financeiro e lavagem de capitais. (O número do processo é 0015449-69.2014.403.6181. Para consultar a tramitação, acesse http://www.jfsp.jus.br/foruns-federais/)
A primeira operação foi realizada em 2005, quando o Metrus apresentava pendências em seu balanço contábil devido a um investimento em debêntures da empresa Village Country, feito em 1998. “A empresa faliu, o que provocou ao fundo de pensão desfalque de R$ 7,5 milhões relativos aos papeis que deixaram de ser resgatados. Para maquiar o saldo negativo, o presidente do instituto de seguridade, Fábio Mazzeo, e o diretor financeiro, Valter Renato Gregori, lançaram mão de fraudes com a aquisição de uma Cédula de Crédito Bancário (CCB), documento utilizado no mercado para a captação de empréstimos”, diz o texto divulgado pela Assessoria de Comunicação do Ministério Público Federal.
“A montagem do esquema coube ao Banif, com envolvimento direto do presidente à época, Antonio Júlio Machado Rodrigues, da ex-superintendente da área de operações estruturadas, Maria Gorete Pereira Gomes Câmara, e do então diretor Carlos Augusto Cirillo de Seixas. A CCB foi emitida pela empresa Panapanan, criada unicamente para essa finalidade.”
A denúncia diz que pelo contrato, a companhia constituída pelos empresários Oscar Alfredo Muller e Aluísio Duarte pretendia captar recursos do Metrus, por intermédio do Banif, para a aplicação em movimentações de compra e venda de energia elétrica. “Essas transações ocorreriam em acordos de longo prazo entre pequenas hidrelétricas que compunham o Grupo Arbeit Energia e a empresa Wessanen do Brasil (atualmente Milani S. A.), todas também de propriedade de Oscar Alfredo Muller.”
A Panapanan emitiu a CCB no valor de aproximadamente R$ 20 milhões ao Banif e, como garantia, ofereceu os rendimentos de contratos de energia elétrica entre a Wessanen e o Grupo Arbeit, além de cotas sociais e imóveis de empresas associadas ao conglomerado.
O banco transferiu o título ao Metrus, que, por sua vez, pagaria a cédula com as debêntures sem liquidez e mais R$ 12,5 milhões em dinheiro. “Os denunciados buscavam dar aparência de que o fundo de pensão estaria não só livre da pendência contábil mas também variando sua carteira de investimentos, agora no setor energético, com rentabilidade garantida à medida que a Panapanan saldasse as parcelas do empréstimo adquirido para aplicação nas atividades do Grupo Arbeit. Na verdade, tudo não passava de uma simulação.”
A Pananapan, ao invés de receber as debêntures e a quantia, conforme acordado, teve o valor integral de R$ 20 milhões em dinheiro depositado em sua conta, afirma a Procuradoria da República.
Outras evidências da fraude surgiram quando a companhia deixou de pagar as parcelas da CCB. A ausência de recursos advinha da suposta desistência da Wessanen de comprar energia produzida pelo grupo Arbeit. “No entanto, essas transações nunca se realizariam e foram falsamente previstas apenas para viabilizar a emissão do crédito bancário.”
As investigações apontaram que o proprietário da Wessanen era também Oscar Alfredo Muller, um dos sócios da Panapanan, que concedeu a própria garantia para a captação de empréstimo. Além disso, um dos principais imóveis que constavam das garantias oferecidas não teve a hipoteca registrada no prazo e foi posteriormente arrestado em razão de um processo judicial. Assim, em novembro de 2008, a Panapanan finalmente declarou não ter condições de honrar a cédula, cujo valor atualizado chegava a R$ 34,4 milhões.
Segundo a denúncia, o Metrus não adotou nenhuma medida judicial para reaver o valor ‘investido’. “Envolveu-se em uma nova operação fraudulenta em 2009. O esquema era semelhante ao primeiro, com a criação de empresa para a emissão de CCB para a obtenção de empréstimo do Metrus. Desta vez, a estratégia era ocultar o prejuízo anterior do fundo por meio de uma nova concessão de crédito, dando a aparência de que a primeira transação ainda estaria em andamento e o prejuízo não teria se consolidado. O mentor do plano foi Felipe Marques da Fonseca, sócio de uma empresa (Quality Credit) que prestava serviços de consultoria e estruturação de operações financeiras ao Banif, novamente com a participação da cúpula do banco.”
Para o lançamento de novas cédulas de crédito bancário, Felipe criou a empresa Conepatus, que reunia cinco companhias de diferentes setores. Elas emitiram 15 CCBs, no valor total de R$ 99 milhões, reunidas em três Certificados de Cédula de Crédito Bancário (CCCBs) que foram transferidas ao Metrus por meio do Banif. Para saldar os títulos, o fundo pagaria R$ 63,6 milhões em dinheiro e quitaria o restante com a cessão da CCB da Panapanan, então avaliada em R$ 35,4 milhões. O banco possibilitou a transação ao apresentar-se como fiador parcial da operação e recomprar do Metrus o título sem lastro. Mesmo sabendo da falta de liquidez dos papeis e da ausência de vantagem econômica, o Banif justificou que o objetivo do negócio era simplesmente preservar a relação com o investidor.
Além disso, a instituição financeira viabilizou a operação ao atribuir boa classificação de risco às cinco empresas que compunham a Conepatus, apesar das evidências de que não tinham capital social suficiente para assegurar a futura liquidação do empréstimo. Não por acaso, logo após a constituição da Conepatus, as companhias deixaram a sociedade e deram lugar a outras pessoas jurídicas vinculadas a Felipe Marques da Fonseca, igualmente sem aporte. Essas movimentações demonstram que as empresas não tinham condições de sustentar o compromisso contábil assumido ao emitir as CCCBs e só foram usadas para dar base ao esquema fraudulento. Como esperado, os títulos não foram honrados. Em 2013, o Metrus possuía prejuízo estimado em mais de R$ 137 milhões, não reconhecido pelo fundo em seus documentos contábeis.
“As provas colhidas durante as investigações são suficientes para se afirmar que os administradores do Banif (Antônio Júlio, Carlos Augusto e Maria Gorete) uniram-se aos diretores do Metrus (Fábio e Valter) na perpetração de duas operações irregulares – que se estenderam de 2005 a 2012 -,sendo certo que a segunda operação foi realizada para encobrir os prejuízos causados pela primeira, gerar altas comissões ao Banif e beneficiar terceiros com a concessão de créditos indevidos”, resume o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da denúncia. “Ao final, esta segunda operação causou ainda mais prejuízos ao Metrus. Na primeira operação houve contribuição decisiva dos administradores da Panapanan (Oscar e Aluísio) e, na segunda, do administrador da empresa Quality (Felipe)”.
Matéria de Julia Affonso e Fausto Macedo/publicada no portal do jornal Estadão