Altamiro Borges: Licitação do metrô e falsa ética de Serra
Na reta final das eleições, José Serra voltou a posar de paladino da ética. Ele insiste em dizer que “meu passado é limpo” e que “não tenho amigos corruptos”. Numa primeira fase da campanha, o candidato havia abandonado este figurino. Afinal, era difícil explorar eleitoralmente a questão da ética quando ele mesmo sondou o ex-governador do Distrito Federal, o presidiário Arruda, para ser seu “vice-careca”. Serra também tinha ao seu lado a governadora tucana Yeda Crusius, a da mansão bilionária, rechaçada pelos gaúchos nas urnas. A fantasia ética não lhe cabia nada bem.
Nos últimos dias, porém, o tucano voltou a criticar os corruptos na maior caradura. Só que a vida é cruel. Nem bem ele retomou o tema é surgiu a grave denúncia contra Paulo Preto, ex-diretor da Dersa e “operador” da sua campanha que sumiu com R$ 4 milhões do caixa-dois tucano. Agora, para desmoralizar de vez seu falso discurso, a própria Folha notícia que “soube seis meses antes da divulgação do resultado quem seriam os vencedores da licitação para concorrência dos lotes de três a oito da Linha-5 (Lilás) do metrô da capital paulista”. Quem será o novo Paulo Preto?
Folha evita opinar
Segundo o repórter Ricardo Feltrin, o resultado foi divulgado na quinta-feira (21), mas o jornal há havia registrado o nome dos ganhadores em vídeo e cartório em abril. “A licitação foi aberta em outubro de 2008, quando o governador de São Paulo era José Serra (PSDB) – ele deixou o cargo no início de abril para disputar a presidência da República… O Metrô, estatal do governo paulista, afirma que vai investigar. Os consórcios também negam irregularidades ou ‘acertos’”. Mas, não resta dúvida, o grave episódio fede muito. O valor dos lotes passava de R$ 4 bilhões.
A relação promíscua entre o PSDB e as empreiteiras já é conhecida. Há tempos corre o boato de que o tucanato privilegia determinadas empresas e que estas, para compensar a gentileza, ajudam financeiramente nas campanhas eleitorais e na melhoria de alguns patrimônios individuais. Entre as vencedoras desta “licitação” estão as gigantes do setor: Camargo Corrêa, Andrade Gutierrez, Odebrecht e OAS/Queiroz Galvão. A Folha preferiu não especular sobre o suspeito episódio, bem diferente da sua conduta quando se refere ao governo Lula. E o Metrô jurou inocência!
Mais sujos do que pau de galinheiro
A falsa licitação cai como bomba no colo de Serra. Ele já se mostrava irritado com as denúncias envolvendo Paulo Preto, seu “homem-bomba”. Agora terá que responder as perguntas de Dilma Rousseff sobre as maracutaias no Metrô. O material é inflamável e deverá ser explorado na TV nesta reta final das eleições. Não dá para aceitar a hipocrisia tucana na questão da ética. PSDB e DEM são mais sujos do que pau de galinheiro, sempre estiveram metidos em casos suspeitos de desvio de recursos públicos. Listo apenas quinze casos para refrescar as memórias mais fracas:
1 – Conivência com a corrupção
O PSDB sempre foi conivente com a corrupção. Um dos primeiros gestos de FHC ao assumir a presidência, em 1995, foi extinguir, por decreto, a Comissão Especial de Investigação, composta por representantes da sociedade e que visava combater a corrupção. Em 2001, para abortar a CPI da Corrupção, FHC criou a Controladoria-Geral da União, órgão famoso por abafar denúncias.
2 – O escândalo do Sivam
O contrato para execução do Sivam, de vigilância área, carimbou de sujeira o início do reinado de FHC. A empresa Esca, associada à estadunidense Raytheon e responsável pelo gerenciamento do projeto, foi extinta por fraudar a Previdência. Denúncias de tráfico de influência derrubaram o então embaixador Júlio César dos Santos e o ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Mauro Gandra.
3 – A farra do Proer
O Proer, criado em 1996, uniu os tucanos ao sistema financeiro. Para FHC, o custo do programa foi de 1% do PIB, mas para os economistas da Cepal, os gastos chegaram a 12,3% do PIB, ou R$ 111,3 bilhões, incluindo recapitalização do Banco do Brasil, CEF e socorro aos bancos estaduais. Um enorme rombo nos cofres públicos para ajudar os banqueiros.
4 – Caixa-dois de campanhas
As campanhas de FHC em 1994 e em 1998 teriam se beneficiado do esquema de caixa-dois. Em 1994, pelo menos R$ 5 milhões não apareceram na prestação de contas entregue ao TSE. Em 1998, teriam passado pela contabilidade paralela R$ 10,1 milhões.
5 – Propina na privatização
A privatização da Telebrás e da Vale do Rio Doce foi marcada pela suspeição. Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-caixa de campanha de FHC e de José Serra e ex-diretor da Área Internacional do Banco do Brasil, foi acusado de pedir propina de R$ 15 milhões para obter apoio dos fundos de pensão ao consórcio do empresário Benjamin Steinbruch, que levou a Vale, e de ter cobrado R$ 90 milhões para ajudar na montagem do consórcio Telemar.
6 – A emenda da reeleição
FHC garantiu a emenda da sua reeleição a um preço alto. Gravações revelaram que os deputados Ronivon Santiago e João Maia, PFL-AC, ganharam R$ 200 mil para votar a favor do projeto. Os dois renunciaram aos mandatos. Já outros três parlamentares acusados de venda do voto, Chicão Brígido, Osmir Lima e Zila Bezerra, foram absolvidos pelo plenário da Câmara.
7 – Os ralos do DNER
O DNER foi um dos principais focos de corrupção no governo de FHC. Através dos precatórios, manobra contábil que consiste em furar a fila para o pagamento de títulos públicos, estima-se que os beneficiados pela fraude pagavam 25% do valor real para a quadrilha que comandava o órgão.
8 – Desvalorização do real
Para se reeleger em1998, FHC segurou a artificial paridade entre o real e o dólar. Reeleito, deu o golpe. No processo da desvalorização da moeda, que afundou a economia, ainda houve denúncia de vazamento de informações do Banco Central. 24 bancos lucraram com a mudança cambial e outros quatro que registraram movimentação especulativa às vésperas do anúncio da medida.
9 – O caso Marka/FonteCindam
Durante a desvalorização do real, os bancos Marka e FonteCindam foram socorridos pelo Banco Central com R$ 1,6 bilhão. O pretexto é que a quebra dos bancos criaria riscos para a economia. Chico Lopes, ex-presidente do BC, e Salvatore Cacciola, ex-dono do Marka, até foram detidos. Cacciola, ex-sogro do vice do Serra, Índio da Costa, fugiu para a Itália, mas foi novamente preso.
10 – Eduardo Jorge, personagem suspeito
Eduardo Jorge Caldas, o mesmo que agora se diz vitima da quebra do sigilo fiscal, é uma figura sinistra. Ex-secretário-geral de FHC, ele esteve envolvido no esquema de liberação de verba para o TRT/SP [do famoso Lalau], superfaturamento do Serpro, montagem do caixa-dois da reeleição de FHC, lobby junto às empresas de informática e de manipular recursos dos fundos de pensão nas privatizações. Se houvesse Justiça no Brasil, seu sigilo fiscal já teria sido quebrado há tempo.
11- O esquema do FAT
A Fundação Teotônio Vilela, ligado ao PSDB, foi acusada de envolvimento em desvios de R$ 4,5 milhões do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Descobriu-se que parte do dinheiro, que deveria ser usado no treinamento de 54 mil trabalhadores do Distrito Federal, sumiu. Na gestão de FHC, as fraudes com recursos do FAT ocorreram em 17 unidades da federação.
12 – Obras irregulares
Levantamento do Tribunal de Contas da União, feito em 2001, indicou a existência de 121 obras federais com indícios de irregularidades graves. As falcatruas envolviam vários integrantes do governo FHC. Uma dessas obras, a hidrelétrica de Serra da Mesa, interior de Goiás, deveria ter custado 1,3 bilhão de dólares, mas consumiu o dobro dos recursos.
13 – Verbas do BNDES
Além de vender o patrimônio público a preço de banana, o governo FHC, por meio do BNDES, destinou cerca de R$ 10 bilhões para socorrer empresas que assumiram o controle de ex-estatais privatizadas. As maiores beneficiárias pela ajudinha tucana foram as operadoras de telefonia e as empresas do setor elétrico. Em uma das diversas operações, o BNDES injetou R$ 686,8 milhões na Telemar, assumindo 25% do controle acionário da empresa.
14 – Intervenção na Previ
Em 2002, FHC decretou intervenção na Previ, o fundo de pensão dos funcionários do Banco do Brasil, com patrimônio de R$ 38 bilhões. Afastou seis diretores, inclusive os três eleitos pelos funcionários do BB. O ato truculento ocorreu a pedido do banqueiro Daniel Dantas, dono do Opportunity. Dias antes da intervenção, FHC recebeu Dantas no Palácio Alvorada. O banqueiro teria ameaçado divulgar alguns dossiês sobre o processo das privatizações – ou privatarias.
15 – Relações perigosas de José Serra
Estes e outros casos são do conhecimento de Serra, que agora posa de paladino da ética. Muitos dos envolvidos em corrupção no governo FHC têm relações intimas com o candidato. Entre eles destacam-se três figuras: Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-caixa de campanha de Serra e de FHC, acusado de tráfico de influência quando era diretor do BB e de cobrar propina nos processos de privatização; o empresário espanhol Gregório Preciado, que obteve perdão de uma dívida de R$ 73 milhões junto ao BB e foi casado com uma prima de Serra; e Vladimir Antonio Rioli, ex-vice-presidente do Banespa e ex-sócio de Serra numa empresa de consultoria, que teria facilitado operações para repatriar US$ 3 milhões depositados nas Ilhas Cayman – paraíso fiscal do Caribe.
Por Altamiro Borges, jornalista e autor do livro “Sindicalismo, resistência e alternativas” (Editora Anita Garibaldi)