Metrô de São Paulo esconde informações em apuração sobre descarrilamento

frotak_ft*Apenas comissão da chefia apura um dos acidentes mais graves do sistema. Excluídos, funcionários afirmam que vida dos passageiros esteve em risco, e denunciam falhas crônicas na manutenção

A Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô) recusou-se a prestar esclarecimentos aos trabalhadores da empresa sobre o descarrilamento ocorrido no último dia 5 de agosto na Linha 3-Vermelha, perto das 11h, nos arredores da estação Palmeiras-Barra Funda, zona oeste da capital. No mesmo dia, e nos seguintes, representantes dos funcionários em pelo menos três Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipa) solicitaram a realização de uma reunião extraordinária para tratar especificamente do caso. As requisições, porém, apesar de estarem amparadas pela legislação, foram repetidamente ignoradas pela chefia.

descarrilha3O descarrilamento do dia 5 fora provocado pela ruptura do “truque” ou “truck”, termo técnico que designa o sistema composto por rodas, tração, frenagem e rolamentos do trem, e que fica em contato direto com os trilhos. A composição danificada é identificada internamente como K07, por ser o trem número 7 da frota conhecida como K, recentemente reformada pelo consórcio MTTrens – composto pelas empresas TTrans, MPE e Temoinsa. O contrato da MTTrens com o Metrô foi assinado em 2009 e é um dos quatro de um pacote de modernização das composições em circulação nas linhas 1-Azul e 3-Vermelha, cujo valor totaliza R$ 1,8 bilhão. O acordo com a MTTrens abrange 25 trens do ramal leste-oeste do sistema metroviário paulistano.

Além dos danos no truque, o acidente arrancou cerca de 150 metros do chamado “terceiro trilho”, que alimenta eletricamente os trens, e provocou 9 horas de transtornos aos usuários. Com o sistema paralisado, algumas estações ficaram superlotadas e tiveram de ser fechadas. No momento do acidente, segundo o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, houve “estouros e fumaça” devido ao curto-circuito ocasionado pela violência do descarrilamento. Funcionários avaliam que também houve risco de tombamento dos vagões – o que só não ocorreu, dizem, porque a composição trafegava a 40 km/h e não aos 70 km/h que costuma atingir no trecho. Em condições normais, portanto, poderia ter acarretado em ferimentos e até mesmo morte dos passageiros. Felizmente, ninguém se machucou.

Transparência

O Metrô possui onze Cipas, divididas em áreas de atividade, com representação paritária entre funcionários e empresa. Há também um fórum denominado Intercipas, que articula bimestralmente todas as comissões de prevenção de acidentes da companhia. Normalmente, as reuniões ordinárias das Cipas ocorrem uma vez ao mês para discutir vários assuntos relativos à segurança do trabalho. Após o descarrilamento, havia três Cipas naturalmente interessadas na convocação de uma reunião extraordinária: Cipa Manutenção de Linhas, Cipa Manutenção de Trens e Cipa de Operação. As três requisitaram, mais de uma vez, encontros específicos para tratar do tema, e as três receberam “não” como resposta. Seus membros estão insatisfeitos com a falta de transparência da empresa – e a sonegação de informações aos funcionários.

“Descarrilamentos são tão incomuns no Metrô que qualquer ocorrência desse tipo deveria ser motivo óbvio para uma reunião extraordinária de prevenção de acidentes”, defende Altino de Melo Prazeres, presidente do Sindicato dos Metroviários, ressaltando que os trabalhadores têm o direito de conhecer os riscos a que estão sujeitos diariamente nos trens, vias e estações do sistema. “É raro quebrar um truque do trem”, continua. “Isso nunca aconteceu na história da companhia. Queremos saber exatamente quais as causas e quem são os responsáveis.”

Questionado sobre se não poderiam tratar do assunto nas próximas reuniões ordinárias das Cipas, ou mesmo numa assembleia independente do sindicato, Altino argumenta que a grande vantagem de uma reunião extraordinária é que ela se restringe a uma única questão – no caso, o descarrilamento, a quebra do truque e as demais consequências de um dos acidentes mais graves da história do Metrô. Além disso, está respaldada em normas trabalhistas. “Os engenheiros responsáveis e todos os envolvidos na ocorrência são obrigados a comparecer e prestar os esclarecimentos necessários.”

De posse das informações, prossegue, seria possível aos metroviários conhecer com maior profundidade as causas do acidente, esclarecer dúvidas e propor políticas de segurança à empresa. “Assim podemos sair do achismo”, sublinha o sindicalista, lembrando que a empresa não tem permitido aos funcionários que sequer vejam a peça danificada no descarrilamento: o truque está coberto com uma lona e vigiado por seguranças. “Querem esconder alguma coisa.”

Negativas

Uma troca de e-mails entre funcionários e o presidente da Cipa de Operação do Metrô, à qual a reportagem teve acesso, mostra que o chefe da comissão, que representa a empresa no grupo, ofereceu cinco razões para embasar sua recusa em convocar a reunião extraordinária: 1) Não houve funcionários ou usuários com qualquer tipo de lesão; 2) Não houve risco ou lesão grave a nenhum funcionário; 3) Todas as medidas emergenciais foram tomadas, e não há risco grave e iminente a ser sanado; 4) Os empregados atuaram conforme o procedimento, não se constando nenhum desvio; e 5) Todos os trens da mesma frota foram retirados de serviço.

Os trabalhadores concordam em que não houve feridos, mas, pelos “estouros”, “fumaça” e “curto-circuitos” que se deram logo após o descarrilamento, discordam radicalmente da tese de que não houve risco aos passageiros e funcionários, como afirma o presidente da Cipa de Operações. Concordam que todas as medidas emergenciais foram tomadas, mas contestam a afirmação de que “não há risco grave e iminente a ser sanado”, como insiste o representante da empresa. Concordam que os trens da mesma frota da composição acidentada, a frota K, foram retirados de circulação, mas lembram que dois deles voltaram a operar nos dias 19 e 20 de agosto, e tornaram a ser encostados várias vezes nos dias posteriores depois de apresentarem novas falhas.

A legislação brasileira que regulamenta o funcionamento das Cipas respalda a petição dos funcionários do Metrô. A Norma Reguladora número 5, item 6, inciso L, disponível no portal do Ministério de Trabalho e Emprego, determina que são atribuições da Cipa “participar, em conjunto com o empregador, da análise das causas das doenças e acidentes de trabalho e propor medidas de solução dos problemas identificados”. O item 27 prevê que reuniões extraordinárias deverão ser realizadas quando “ocorrer acidente do trabalho grave ou fatal” ou “houver solicitação expressa de uma das representações”.

“Foi uma ocorrência de extrema gravidade, onde puramente por sorte ocorreu num local e de uma forma que não gerasse mortes, mas o risco iminente existiu, pois poderia haver vítima tanto pelo descarrilamento como pelo curto circuito”, argumentaram os trabalhadores em e-mail enviado ao presidente da Cipa de Operação na tentativa de demovê-lo da decisão. “Houve grandes danos materiais, transtornos para todo o sistema metroviário e, inclusive, dano psicológico aos funcionários envolvidos, os quais ficaram abalados com tamanha gravidade da ocorrência.”

A reportagem procurou, por telefone, o presidente da Cipa de Operação, mas ele se negou a conceder entrevistas sem antes obter autorização expressa do Metrô para atender à imprensa. “Minha cabeça estará a prêmio se eu falar”, justificou. Procurada, a assessoria de imprensa da companhia não respondeu às solicitações da reportagem.

Histórico

Em 2012, houve ao menos duas reuniões extraordinárias de Cipas no Metrô. A primeira, em maio, quando dois trens se chocaram entre as estações Carrão e Penha, na zona leste, na mesma Linha 3-Vermelha que foi palco do último acidente do descarrilamento. Na ocasião, 40 pessoas ficaram feridas, com escoriações leves e moderadas. Outra Cipa extraordinária foi convocada quando dois trens se chocaram no pátio Jabaquara, na Linha-1 Azul, em dezembro. Não havia passageiros. Uma composição se moveu sozinha e colidiu frontalmente com outro trem, que passava por revisão. Por pouco um funcionário não acabou esmagado, mas não houve feridos.

Por todas essas razões, o Sindicato dos Metroviários não consegue entender por quê a empresa bloqueou os caminhos legais que os funcionários tinham direito de acionar para se informar melhor sobre o último descarrilamento e, consequentemente, sobre os riscos a que estão expostos diariamente. Mas tem uma hipótese. “Há muitas ocorrências de falhas nos trens novos e reformados”, explica Altino de Melo Prazeres. O número de panes do Metrô aumentou nos últimos anos: paralisações com mais de cinco minutos de duração saltaram de 28, em 2010, para 66, em 2012. “Empresas que participaram das reformas estão também envolvidas nas denúncias de formação de cartel, como a TTrans, que reformou a frota K.”

Além das falhas, há casos de composições que acabam tendo de passar por manutenção pouco tempo depois das reformas – e mesmo das manutenções terceirizadas contratadas pelo Metrô junto a empresas privadas. “Muitas vezes, temos que repetir serviço aqui dentro, porque são mal feitos.” O sindicalista cita como exemplo os novos trens da frota H, construídos pela empresa espanhola CAF, também envolvida no recente escândalo. “Cada trem custou R$ 31 milhões, mas já vieram precisando de ajustes. Há registros de falhas e, com três anos de uso, os pisos já estão tendo que ser trocados”, elenca. “Aqui temos trens de 40 anos, produzidos pela extinta Mafersa, que até agora estão com o mesmo piso.”

Os metroviários acreditam que, se pudessem acessar livremente o truque avariado que causou o descarrilamento do último dia 5 de agosto, e confrontassem os danos observados na peça com as informações que obteriam de engenheiros e especialistas durante uma reunião extraordinária da Cipa, poderiam juntar as pontas entre terceirização, reformas mal feitas, manutenções incompletas, contratos caros e denúncias de corrupção. “É disso que o Metrô tem medo.”

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*Reportagem de Tadeu Breda, da Rede Brasil Atual