Promotor que combate crimes econômicos pede varas judiciais exclusivas para cartéis
Marcelo Mendroni, que denunciou o cartel de trens em São Paulo, alerta para complexidade das investigações sobre ajustes entre empresas que fraudam licitações O promotor de Justiça Marcelo Mendroni, especialista em ações contra organizações criminosas que praticam delitos econômicos, defende a criação de varas judiciais exclusivamente para cuidar de processos criminais contra cartéis.
Mendroni é o autor de 5 denúncias por crimes de cartel e fraudes em licitações contra 30 executivos de 12 multinacionais que, entre 1998 e 2008, agiram em conluio para conquistar os principais projetos do sistema metroferroviário em São Paulo.
Das 5 denúncias, duas foram rejeitadas pela Justiça sob argumento da extinção de punibilidade dos empresários por prescrição das penas.
Inconformado, Mendroni reagiu imediatamente. Ele já ingressou com recurso e com mandado de segurança no Tribunal de Justiça do Estado pleiteando que as denúncias sejam recebidas sob o argumento de que “o crime de formacao de cartel, é, à evidencia, um crime formal de natureza permanente, e nao um crime material instantâneo, de efeitos permanentes”.
Formado pela PUC/SP em 1987, Mendroni ingressou no Ministério Público paulista em 1989. Atuou no Grupo de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de 1997 a 2002 e especializou-se em investigações sobre lavagem de dinheiro a partir de 1998. Desde o ano 2000 exerce forte atuação contra carteis e fraudes a licitação. A partir de 2011 assumiu cadeira no grupo que combate delitos econômicos (Gedec).
Para promotor, complexidade do cartel exige atenção especial de magistrados.
Doutor pela Universidade Complutense de Madrid, 1995/1997, detentor de pesquisas no Max-Planck Institut de Freiburg im Breisgau (Alemanha), pós doutorado na Università di Bologna (2006/2007) com o tema ‘Medidas de controle de organizações mafiosas’, Mendroni já publicou cinco livros, todos na Editora Atlas (Curso de Investigação Criminal; Crime Organizado. Aspectos gerais e mecanismos legais; Crime de Lavagem de Dinheiro; Provas Penais. Valoração; Comentários à Lei de Crime Organizado (Lei 12.850/13)
Veja abaixo entrevista publicada no jornal "O Estado de S.Paulo"
ESTADO: O sr. é a favor da criação de varas judiciais especializadas em ações sobre carteis e delitos econômicos? Por quê?
PROMOTOR MARCELO MENDRONI: Sim. São casos que envolvem muita complexidade. As investigações levam meses ou anos. Há intensa correlação de pessoas direta e indiretamente envolvidas, testas de ferro, empresas lícitas e de fachada, movimentações financeiras e de bens, acordos, reuniões, fraudes, divisão de tarefas, leniências e colaboração premiada. Toda essa complexidade escapa, e muito, das rotineiras funções exercidas pelos magistrados na análise dos crimes comuns. Então, há necessidade indiscutível de maior disposição de tempo e de estudo profundo das matérias e dos casos. Os juízes, com todo o acervo processual de uma Vara Criminal, não conseguem essa disponibilidade e a consequência inevitável é que a análise destes casos fica prejudicada. Esse prejuízo é suportado pela sociedade, que deseja que a Justiça seja efetiva e eficiente, em todos os casos, inclusive nos relativos aos delitos econômicos. Trata-se de uma realidade que deve ser enfrentada pelo Estado como um todo.
ESTADO: O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem sido refratário a esse tipo de vara especializada sob argumento de que pode surgir a figura do superjuiz, com uma concentração enorme de poder. O sr. não teme que isso ocorra, de fato?
MENDRONI: Absolutamente. Não há superjuízes, assim como não há superpromotores ou superpoliciais. Nenhum deles têm ‘superpoderes’. Os poderes de todos os juízes são derivados da Lei e da Constituição Federal – os mesmos para todos. O que ocorre é que há diferentes competências, assim como ocorre nas primeiras instâncias com as Varas especializadas de Falências, de Família, Juizados Especiais Criminais, etc, e mesmo nas divisões de matérias nos Tribunais. Considerando a amplitude do mundo jurídico, a especialização é a forma mais coerente e segura de distribuição de justiça no mundo contemporâneo. E não é só no mundo jurídico, mas também na área médica, engenharia e qualquer outra ciência. O profissional se vê obrigado, em todas, a se especializar para melhor exercer as suas funções.
ESTADO: O que poderia melhorar no âmbito do combate aos cartéis a instalação de varas especializadas?
MENDRONI: Quanto mais complexo o tema, maior deve ser a especialização. Por quê, então, não transportar este raciocínio para a criação de Varas Especializadas, para que os Juízes tenham a oportunidade de se aperfeiçoar nestes temas? Observo que existem Polícias especializadas em crimes econômicos. Em São Paulo, tanto a Polícia Civil, através da 4.ª Delegacia de Polícia-DPPC, como a Polícia Federal, têm feito um excelente trabalho. Os Ministério Públicos também têm buscado essa especialização. Em São Paulo temos o Grupo de Combate a Delitos Econômicos (Gedec) no âmbito estadual e há Promotores Federais que também atuam nessa área especializada. Na Justiça Federal, existe Vara Especializada. Faltam, então, as Varas Judiciais Estaduais Especializadas para que a investigação e processamento dos casos sejam mais completos e mais eficientes. Amplio este raciocínio, aliás, para os casos de crime organizado. Poderia se pensar em criar Vara Especializada em Crime Organizado e em Crimes Econômicos, que também, no mais das vezes, se configuram como organizações criminosas. Em São Paulo, pelo menos, há, seguramente, demanda processual para isso. Neste contexto de uma Vara Especializada, os casos de cartéis e fraudes a licitações, como também em casos de lavagem de dinheiro, seriam analisados por juízes experts, melhor capacitados a compreender toda aquela malha que envolve os crimes, as pessoas, suas ações e seus bens. A trama criminosa, muito mais complexa do que nos crimes comuns, seria melhor entendida, tanto pela expertise desenvolvida como também pela disponibilidade de tempo. O ganho do trâmite processual nestas condições é indiscutível – análise das provas, diretas e indiretas, sua valoração, incluída aí toda aquela eventualmente produzida em fase preprocessual, como buscas e apreensões, interceptações de comunicações e outras; os argumentos do Ministério Público e dos advogados (também sempre especializados), a presidência das audiências, os deferimentos e indeferimentos dos requerimentos das partes, e finalmente a sentença.
ESTADO: Faltam leis específicas para combater as organizações criminosas?
MENDRONI: Temos leis recentes, detalhadas e complexas sobre os temas: Lei 9.613/98 de Lavagem de Dinheiro (modificada pela Lei n°12.683/12); Lei 8.137/90 – Crimes Econômicos (modificada pela Lei n° 12.529/11); Lei 12.850/13 (Organizações Criminosas); além da Lei n° 8.666/93 (Licitações) e do próprio Código de Processo Penal com suas recentes alterações (por exemplo em medidas cautelares) e outras. Sua interpretação em análise coerente não é simples. Com toda essa quantidade de dispositivos legais e situações jurídicas, a demanda de investigações e processos em relação a organizações criminosas e crimes econômicos já está aumentando consideravelmente. Esta é uma realidade. Eventual criação de uma Vara Especializada seria um enorme avanço em termos de resposta mais rápida, justa e segura da Justiça, que deve se amoldar às necessidades do mundo contemporâneo e promover o enfrentamento destes fenômenos criminológicos com rapidez e eficiência. Tenho plena convicção que este é também o desejo da sociedade.
Publicado no jornal "O Estado de S.Paulo, por Fausto Macedo